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‘O transporte público é o maior problema das grandes cidades’

Prefeito fala sobre os desafios de administrar Salvador em entrevista exclusiva ao A Tarde.

Administrar uma cidade como Salvador é uma missão repleta de complexidades. Choveu demais? É preciso monitorar as áreas de risco. E ainda tem o transporte público, as escolas de ensino fundamental, as unidades de saúde, a gestão das contas públicas … Isso sem falar que não se pode perder de vista os fatos que se desenrolam em Brasília, como a votação da Reforma Tributária, para entender como essas mudanças afetarão a arrecadação da cidade.

O prefeito Bruno Reis (União Brasil) está atento a todas essas questões e fala sobre elas nesta entrevista exclusiva ao A TARDE. Algumas, no entanto, apresentam uma complexidade ainda maior, como é o caso do transporte de ônibus. “Atualmente, a receita da tarifa não cobre mais os custos do sistema”, admite ele, destacando a necessidade da participação dos governos federal e estadual para garantir a sustentabilidade do sistema. Conheça mais sobre os desafios enfrentados diariamente na administração da capital baiana na entrevista que segue.

Havia uma preocupação dos prefeitos em relação a Reforma Tributária com a perda de arrecadação e autonomia dos municípios. Esse temor foi desfeito nesta reforma aprovada na Câmara Federal e que agora vai tramitar no Senado? Salvador perde ou ganha com ela?

Ainda há esse temor. Cabe ao Senado fixar as alíquotas. Essa discussão ainda vai ocorrer. As médias e grandes cidades têm no ISS o seu principal tributo, que representa hoje 15% da nossa arrecadação aqui em Salvador. A partir do momento em que a gente perde a nossa autonomia arrecadatória, deixando de ter a capacidade de tributar, de fiscalizar e de ter os recursos para dar as respostas às necessidades imediatas que tem nos grandes centros urbanos, a gente deixa de ter uma certeza em relação à capacidade de melhorar os serviços públicos, garantir a oferta da educação, da saúde, dos programas e projetos sociais. Não tenha dúvidas que isto é muito preocupante. Salvador ganharia de imediato se o ISS fosse cobrado no destino, mas na atual PEC a previsão é que essa transição ocorra em 50 anos. Então, esperamos que não tenha perdas, mas efetivamente a perspectiva que a gente tinha de ampliar nossa arrecadação, com esta reforma aprovada já pela Câmara, a previsão é que não ocorra.

Resultados do Censo Demográfico de 2022, divulgados pelo IBGE, mostram que Salvador foi a cidade que mais perdeu população em 12 anos, e agora é a quarta do país nesse quesito. O que na avaliação do senhor explica essa queda populacional? Esse dado pode causar perda de arrecadação?

Pelo contrário. Melhorou a nossa participação no bolo do FPM (Fundo de Participação dos Municípios). Nós saímos de um índice na faixa de 7% para a faixa de 8% (da repartição para as capitais). Então, terá um incremento na nossa arrecadação. Não me cabe contestar o IBGE, um órgão de credibilidade, porém quando a gente analisa outros números, de eleitores que hoje tem a cidade, de pessoas que utilizam cartão SUS, o aumento das matrículas na nossa rede de ensino, das pessoas que estão no CadÚnico, e principalmente quem anda nas ruas dessa cidade todos os dias como eu e que vê que, ao longo desses anos, abrimos novas vias e surgiram diversas construções no entorno… Nos bairros, a gente está tendo que estender a rede de energia para atender novas construções que ocorreram. A gente vê os imóveis residenciais ocupados. Então, é óbvio que a gente vê com estranheza essa redução populacional. Não é o sentimento de quem vive de verdade essa cidade.

O senhor vem defendendo a criação de um marco regulatório para o transporte público nos mesmos moldes do SUS. Como andam as negociações com o governo federal para subsidiar o transporte público?

Para ir às unidades de saúde, para utilizar o SUS, para as unidades da área social, para utilizar o Suas (Sistema Único de Assistência Social), as pessoas precisam do transporte público. O transporte público, em especial sobre pneus, é o maior problema das grandes cidades brasileiras. Hoje, a receita da tarifa não remunera mais os custos do sistema. O que nós defendemos é que, como ocorre em todos os países do mundo, seja de esquerda ou de direita, o governo federal e o governo estadual possam dividir as atribuições. O governo federal com o subsídio e com uma série de estímulos incentivos fiscais e linhas de financiamento, o governo do estado com a redução do ICMS. O estado da Bahia é o único no Brasil que não tem um tratamento diferenciado de ICMS para o transporte público. E os municípios, investindo como temos feito nos últimos anos, seja para garantir o funcionamento da frota, como também a sua renovação. Então esse marco regulatório traria as atribuições, as competências e a responsabilidade de cada ente federativo, e aí sim a gente teria um transporte público moderno, eficiente e que fosse acessível para a população.

Em entrevista, o senhor cobrou uma reunião com o governador Jerônimo Rodrigues para discutir a tarifa do metrô de Salvador. Teve alguma sinalização do governo neste sentido? O que mais te preocupa em relação à tarifa do metrô?

Primeiro, eu não tenho cobrado esse encontro do governador. Fiz uma fala, pelo elevado espírito público que tenho e por entender que existem assuntos em comum, que era necessária esta conversa. Mas entendo, e quando o governador puder, estarei à disposição para a gente dialogar. Se, de um lado, a prefeitura tem o problema do transporte sobre pneus, do outro lado o estado tem o problema do metrô. O metrô, no seu contrato, prevê que o estado pague pelos passageiros não transportados. No ano de 2022, os balanços são públicos e oficiais, o governo do estado investiu quase R$900 milhões no metrô, metade desses recursos foi para pagar os passageiros transportados. Então, há este problema real, e a prefeitura está à disposição para, juntos, buscarmos o equilíbrio dos sistemas e, com isso, a gente possa ofertar um transporte público ainda melhor à população.

Salvador passou bem pelos meses mais chuvosos do ano? Quais ainda são os maiores problemas?

Nos últimos anos, investimos muito em obras de contenções. Ao todo, nós já protegemos, com obras definitivas que já foram realizadas ou que estão em execução, um total de 220 áreas. Ainda aplicamos geomantas, uma tecnologia que é possível para áreas com uma inclinação menor, 287 áreas. Isso significa que mais de 500 áreas estão protegidas. É um fato, é uma constatação. Nunca choveu tanto como tem chovido nos últimos anos, e aquelas tristes cenas de deslizamento, desabamento, pessoas perdendo as vidas, não fazem mais parte do noticiário das emissoras de TV, das rádios e dos jornais da nossa cidade. Ah, prefeito, você quer dizer que a cidade está imune às chuvas? Não, não há cidade no mundo que resista a muita chuva em pouco tempo. Então, o desafio do futuro é continuar protegendo áreas de risco, temos ainda 167 áreas mapeadas, com uma série de intervenções que vão ser realizadas. Avançamos muito nas obras de drenagem para acabar com os alagamentos, em especial os que ocorrem na porta das casas das pessoas. Mas precisamos ainda realizar uma série de execuções. Temos, nesse momento, um programa de urbanização de canais que está em curso. São 34 novos canais sendo urbanizados na nossa cidade e diversas obras de drenagem em vias, principalmente de base de tráfego da nossa cidade.

O senhor enfrentou, em dois anos de sua gestão, uma das situações mais desafiadoras vividas nos últimos tempos que foi a pandemia da Covid-19. Quais lições ficaram para o futuro? O sistema de saúde do município saiu fortalecido desse episódio?

Eu poderia dizer que não tive condições de tirar do papel obras, projetos e programas importantes; que o enfrentamento à pandemia consumiu todos os recursos da prefeitura; e que a prioridade era salvar vidas, abrindo hospitais de campanha, tendas, gripários, leitos de UTI e de enfermaria e realizando essa mega operação da vacinação. As pessoas entenderiam que a prioridade era esta. Porém, nós não tivemos todos os programas, projetos e iniciativas que vinham do governo anterior. E tivemos a capacidade, nesses dois anos e meio de gestão, de fazer grandes entregas e seguir realizando sonhos cada vez mais audaciosos da nossa cidade. Não tenho dúvidas que a experiência que nós adquirimos no enfrentamento da pandemia nos preparou para enfrentar as adversidades do presente e do futuro. O sistema de saúde de Salvador, que foi ampliado de forma expressiva e significativa nos últimos anos, foi decisivo para que Salvador fosse uma das cidades que menos perdeu vidas para a pandemia, quando a gente compara as suas condições geográficas e populacionais.

A questão da segurança do Centro Histórico de Salvador voltou ao centro dos debates este ano e o senhor nomeou Coronel Sturaro, um nome conhecido na área da segurança pública, para comandar a subprefeitura da área. Como está o Centro Histórico hoje?

Primeiro: todos sabem que a responsabilidade pela segurança não é da prefeitura. Porém, cansado de presenciar cenas que comprometiam toda a importância do nosso Centro Histórico, um dos mais bonitos do mundo e com um rico patrimônio histórico-cultural, resolvemos intervir. Praticamente criamos uma prefeitura do Centro Histórico. Dobramos toda a operação de serviços nessa área, em especial da Guarda Municipal. E os números já mostram uma redução de 50% nas ocorrências. Existem questões pontuais, que dependem de investigação e atuação das forças de segurança, porém nunca antes a prefeitura ocupou tantos espaços no Centro antigo como faz agora. Fizemos a centralização administrativa: praticamente todos os órgãos e secretarias da prefeitura funcionam nesta região. Estamos presentes com diversos equipamentos públicos e uma quantidade expressiva de servidores. Temos uma extensa programação artística e cultural. E graças a Deus e a esse esforço, é comum hoje, mesmo no período de baixa estação, a gente ver as ruas do Centro Histórico lotadas e, principalmente, o cidadão voltando a desejar esta região tão importante da nossa cidade.

Em reunião com a ministra da Cultura, Margareth Menezes, o senhor falou sobre os planos da prefeitura para o Comércio, dentre eles a instalação de um aquário no Forte São Marcelo e uma roda-gigante no bairro. O que mais será feito para revitalizar essa importante região da capital baiana?

Temos a instalação de novos hotéis, a chegada de novos equipamentos – como o Museu e o Arquivo Público da cidade, praticamente prontos. Já estão em construção a Casa de Espetáculos e a Escola de Artes. Vamos entregar até o final do ano o novo Mercado Modelo. Estamos fazendo toda a requalificação das ruas da Conceição da Praia. E a chegada de um programa habitacional que possa ocupar os casarões e prédios antigos e, com isso, povoar esta área. Com essas moradias, a expectativa é estimular ainda mais o comércio, que possa surgir uma rede de serviços, para efetivamente a gente concretizar o tão sonhado resgate do antigo Centro comercial e histórico da nossa cidade.

Mesmo com a saída da ex-ministra Daniela Carneiro, o União Brasil segue com ministérios no governo Lula. Qual é o impacto que essa aliança pode ter para o futuro da relação entre os dois partidos no estado?

A indicação dos ministros foi das bancadas da Câmara e do Senado. Em relação a um impacto, só o futuro irá dizer. Mas é um fato que, aqui na Bahia, União Brasil e PT são adversários históricos.

Para concluir, prefeito, o senhor tem evitado falar de eleições, mas avaliando o cenário atual, acredita que o fator Lula pode influenciar o cenário local? Espera repetir o arco de aliança construído na eleição passada?

Com todo respeito às autoridades nacionais e estaduais, a escolha do prefeito é cada vez mais uma escolha livre do cidadão. Os soteropolitanos querem escolher para conduzir o destino da cidade alguém que possa dar as respostas que eles esperam. Ter serviços de saúde e educação funcionando bem, uma forte rede de proteção social, transporte público de qualidade. Que tenha a sensibilidade para cuidar de quem mais precisa e investir nas áreas mais carentes. Tenho convicção que, no ano que vem, a cidade irá decidir o seu destino analisando a história, o currículo, o preparo e a capacidade dos candidatos para seguir garantindo as conquistas que nós alcançamos até aqui e transformar ainda mais a nossa cidade. Sobre alianças: eu me formei na política, sou um agente político. Então, com certeza, no momento certo, saberei construir as alianças que são fundamentais para vencer a eleição e garantir a governabilidade. Quero só lembrar a todos que, em 2020, como candidato a prefeito, sem estar sentado na cadeira, construí a maior aliança do Brasil. Tive o apoio de 14 partidos e um exército de candidaturas a vereador. E, tenho muita fé em Deus, que saberei dar os passos corretos para repetir esta tão acertada equação política.

Raio-X

Bruno Reis ingressou na política no final dos anos de 1990, quando passou a ser assessor na Câmara Municipal do Salvador, ainda durante a graduação em Direito. A essa época tornou-se vice-presidente do PFL Jovem na Bahia. Em 2010, foi eleito deputado estadual pela primeira vez, tendo sido reeleito em 2014. Em 2016, ao lado de ACM Neto (DEM), foi eleito vice-prefeito de Salvador. Em 2020, foi eleito  prefeito de Salvador.

Fonte: A Tarde

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